No inicio do empreendimento, no qual trabalhava, foram vendidos muitos terrenos (lotes) para construção “futura” de jazigos.
Após algum tempo, da venda desses terrenos, foi lançado uma campanha para a venda da construção desses jazigos (as gavetas).
Foi em uma tarde de um dia de semana normal que recebi a visita, em meu escritório, de um simpático e inesquecível casal para tratar desse assunto.
Conduzidos pela recepcionista que os atenderam, entraram juntos de braços dados, em minha sala de atendimento. A simpática senhora me cumprimentou com um belo sorriso e um suave aperto de mão, e disse:
- Prazer meu nome é Dóra e este é meu marido Barreiros, que me estendeu a mão para cumprimentá-lo, e ela continuou...
- Nós recebemos uma carta sobre a promoção da construção de jazigos e estamos aqui para informar que não temos interesse em contratá-la, pois estamos mudando de bairro e gostaríamos de devolver o terreno a vocês ou revende-lo a outra pessoa, para comprar um jazigo em um cemitério mais próximo a nossa casa.
Ela, uma linda senhora de seus sessenta e poucos anos, com os cabelos todos muito brancos, bem tratados, pele bem branquinha, olhos pequeninos e claros, porem vivos e bondosos,
Usava um vestido elegante e discreto, com uma suave maquiagem e adereços de muito bom gosto, no pescoço e nas mãos, tudo na mais perfeita harmonia.
Ela era daquele tipo de pessoa que ri com os olhos e quando toca na gente é com tanta suavidade que parece uma leve pluma.
Ele, uma simpatia em pessoa, com os seus setenta e poucos anos, cabelos lisos escorridos pela testa, tão brancos quanto os dela, trajava uma camisa, com estampas alegres, de maga curta e uma bermuda moderna dessas cheias de bolsos que vai até abaixo do joelho e sapatos tipo mocassim sem meias.
Era uma figura impressionante, simpático gostava de inserir sempre uma piadinha aqui outra ali o que tornava a conversa, com ele, sempre alegre e descontraída, tinha uma vitalidade invejável e um bom humor que contagiava.
Convidei-os a sentar apresentei-me e argumentei:
- Dona Dora, o fato de vocês mudarem de bairro não tem muita relevância, a senhora há de convir que o cemitério não é um lugar que visitamos todos os dias, portanto o que precisamos “próximo a nossa casa” é de uma boa padaria, uma farmácia, um mercado etc.
O Sr, barreiro então se pronunciou:
- É verdade Dora, pra que precisamos de um cemitério próximo de casa se iremos visitá-lo “literalmente” uma vez na vida outra na morte?
Ele falou isso em tom de brincadeira, descontraindo o ambiente, e ela concordou.
- Realmente, o Senhor Barreiros tem razão, “disse eu” Afinal quando alguém vai a um cemitério vai por respeito, consideração ou obrigação. E emendei:
- E em alguns casos porque não teve escolha mesmo.
Rimos um pouco da brincadeira “um tanto macabra é verdade”, mas o ambiente e as pessoas com quem estava lidando naquele momento me permitiram essa ousadia.
Convencida das minhas alegações “reforçadas pela brincadeira do marido” ela aceitou conhecer as condições da campanha.
O negócio foi concluído com facilidade, eles optaram por fazer um financiamento com uma pequena entrada e o saldo parcelado em algumas vezes.
Findado as negociações passamos a conversar sobre amenidades, como e quando se conheceram, sobre a nossa família, filhos, netos, animais de estimação etc.
Rimos muito, pois ele era muito espirituoso e fazia piada com tudo. Nossa conversa estava muito agradável, quando dei conta já faziam quase duas horas que conversávamos e por mais prazeroso que fosse estar com ele, eu precisava deixá-los ir.
Mas a surpresa eles deixaram para o final.
Quando fomos nos despedir, para meu espanto, ele entregou-me um cartão e disse:
- Olha é o seguinte, e não estou aposentado, continuo na ativa, se você precisar dos meus préstimos é só me ligar que eu venho correndo, falou sorrindo.
Dito isso me entregou um cartão que dizia:
Sou Palhaço, Meu nome é Peteleco, e no verso do cartão o telefone e o nome da esposa “Dora” para contato.
Inicialmente achei que era mais uma brincadeira, afinal ele tinha feito tantas piadas no de correr de nossa conversa que ficou um pouco difícil de acreditar.
Mas não era brincadeira, ele de fato ele era um palhaço “no melhor sentido da palavra” e trabalhava em festas de aniversários, em eventos corporativos e festas particulares
E ele complementou...
- Também interpreto o bom e velho Papai Noel em festas de empresas, em shopping Center etc.
O fato que essa história rendeu mais uma hora de bate papo.
Ele contou-me que trabalhou durante muito tempo e um circo, e que só saiu de lá porque o circo pegou fogo. Depois disso foi convidado para trabalhar em programa de televisão, da época, em um programa infantil.
Contou-me que fez muito sucesso na pele do palhaço Peteleco época, mas o canal de televisão teve uns problemas de ordem financeira e foi extinto e ele passou fazer free-lance em alguns circos, eventos e festas de aniversários.
Era uma história encantadora que me deixou tão fascinado que não via a hora de chegar em casa e contar para minha esposa.
Mas não pude esperar muito, tão logo eles saíram do escritório liguei correndo para minha esposa falei:
- Sô, conheci um casal de velhinhos fora de série, você não vai acreditar quando eu lhe contar a historia deles. Só posso te adiantar uma coisa, quando envelhecermos já sei exatamente como quero que fiquemos, quando chegar em casa eu te conto os detalhes.
Chegando em casa não poupei detalhes, contei tudo descrevendo minuciosamente como eles eram e principalmente sobre o carinho com que se tratavam.
Ela sempre sorridente, ele sempre espirituoso, ambos o “tempo todo” de mãos dadas e ela de vez em quando se desculpando das brincadeiras dele mais rindo junto.
Encantei minha esposa com historia deles, ainda mais quando falei que queria envelhecer com ela nas mesmas condições.
Esse encontro aconteceu em meados de novembro bem na ocasião em que estávamos planejando as festas natalinas que realizamos todos os anos.
Comemorávamos o natal sempre em família, sendo que a festa era realizada sempre em uma casa diferente do ano anterior “tipo um rodízio” e naquele ano as comemorações natalinas seriam na casa de minha irmã.
Na ocasião os nossos filhos e sobrinhos eram todos pequenos, entre cinco e dez anos de idade, e havíamos planejado algo diferente para eles naquele ano.
A idéia de comemoração era, pela primeira vez, distribuir os presentes das crianças vestido de Papai Noel a meia noite.
Não sei de quem foi a idéia minha ou de minha esposa, mas quando conversamos sobre o natal tivemos a maravilhosa idéia:
- Que tal nós chamarmos o Barreiros para fazer o Papai Noel para as crianças?
Em uma reunião de família “que antecedia a festa” conversamos com todos sobre a idéia de contratar um Papai Noel de Verdade de carne osso e coração e todos concordaram, principalmente depois que eu contei a história de como eu os conheci. Liguei Para eles:
- Olá Barreiros como vai tudo bem?
- Tudo ótimo!
- Você não vai acreditar, estávamos falando sobre você.
Perguntei, brinquei com ele:
- Jura? - Bem o mal?
- Falávamos muito bem
- Gostamos muito de te conhecer, estávamos comentando que parecia que já nos conhecíamos há muito tempo.
- É verdade eu também tive essa impressão e inclusive comentei com a minha esposa.
- Barreiros, eu também falei muito de vocês lá em casa e todos querem muito conhecê-los e acredito que surgiu uma boa oportunidade.
Ele ficou satisfeito e disse:
- Nós gostaríamos muito de conhecer a sua família, no que você esta pensando?
- Bom o Natal está bem próximo e costumamos comemorar junto com família essa data e aproveitando que você incorpora o Papai Noel nessa época (falei em tom de brincadeira), seria perfeito se você nos honrasse representando o bom velhinho para nossas crianças nesse natal. O que você me diz?
Ele ficou um momento pensando e respondeu:
- Muito obrigado pelo convite, nós gostaríamos muito de passar o Natal com você e conhecer a sua família, mas tem um problema.
- Há muitos anos eu faço o Papai Noel “na noite de Natal” em casa de familiares, e embora não tenha mais crianças, isso já se tornou um hábito, mas de qualquer forma vou conversar com a Dóra e depois te dou uma resposta definitiva, de qualquer forma muito obrigado pela lembrança e pelo convite.
Confesso que fiquei um pouco frustrado, afinal eu e minha esposa já estávamos imaginando a carinha das crianças quando conhecessem um papai Noel de verdade, sem falar na curiosidade de todos em conhecê-los depois da propaganda que fiz, enfim só restava esperar.
Uns dois ou três dias depois ele me ligou:
- Olá como vai tudo bem?... Aqui fala o Peteleco!
E isso se tornou um hábito todas as vezes que me ligou.
- Eu e a Dora tomamos uma decisão inusitada, vamos passar o Natal com vocês.
Fiquei surpreso e também um pouco preocupado, afinal o que iria dizer a família deles?
Perguntei:
- Barreiros, estou muito feliz que você tenha aceitado nosso convite, mas isso não vai lhe causar nenhum transtorno com os seus familiares?
Ele respondeu:
- Fique tranqüilo, conversamos com todos, e eles concordaram sem problemas, mesmo porque quase não há mais crianças em nossa família e as poucas que tem já estão bem crescidinhas e já não acreditam mais que eu desço pela chaminé.
Disse mais:
- Se você não se incomodar gostaria de levar o meu amigo Peteleco para divertir a garotada antes da chegada do bom velhinho.
- Vai ser um grande prazer receber todos vocês.
E o dia chegou, eu e meu irmão fomos buscá-los em sua casa conforme o combinado.
Quando chegamos para apanhá-los notei que eles estavam tão ansiosos quanto à gente.
A Dóra estava muito elegante, como de costume, vestida com um traje “quase” de gala de muito bom gosto, O Barreiros estava com uma roupa bem comportada, calça cumpridas, camisa manga curta e sapato pretos, mais para o esporte do que para o social.
Apresentei-os ao meu irmão “que imediatamente simpatizou muito deles” e fomos conversando pelo caminho sobre o roteiro dos personagens que ele iria representar e onde ele poderia se preparar sem que as crianças notassem.
Para ele era muito importante que as crianças não desconfiassem que ele, o Peteleco e o Papai Noel eram as mesmas pessoas, ele dizia que isso quebrava o encanto da apresentação.
Em tom de brincadeira ele comentou que uma dos motivos que o fez aceitar o nosso convite foi justamente o fato de todos de sua família terem descoberto a sua identidade “secreta”.
Levamos isso tão a sério que mesmo depois que nossas crianças terem crescido se tornarem adultos, nunca admitimos para eles que o Barreiro, o Peteleco e o Bom velhinho eram a mesma pessoa. (embora eu ache que eles já devam desconfiar de alguma coisa).
Foi um natal Memorável.
Ao chegarmos na casa de minha irmã fizemos as apresentações. As crianças os adoraram e os adultos os receberam com muito carinho e atenção.
Em especial a minha esposa que logo se identificou com a Dóra e ficaram um bom tempo papeando enquanto o Barreiros fazia o social com os adultos e principalmente com as crianças.
Após algum tempo de bate papo e diversão, sorrateiramente, sem que as crianças notassem, os levei ao camarim improvisado (o quarto de minha irmã) para que ele se trocasse.
Enquanto eles se preparavam avisamos as crianças que teríamos uma visita surpresa de alguém que gostava muito de crianças e que iria brincar muito com eles.
Criamos um clima de ansiedade contagiante com as crianças as e elas começaram a fazer perguntas do tipo quem era ele de onde vinha, qual o seu nome etc. Foi então que eu disse:
- O nome dele é Peteleco e é um grande amigo do papai e esta louco pra conhecer e brincar com vocês.
Tão logo terminei de falar ele apareceu de surpresa causando o espanto até pra mim que sabia que ele iria aparecer.
Como a maioria dos palhaços ele tinha um sorriso fixo desenhado no rosto, olhos enormes pintados de vermelho, um gorro colorido, uma roupa também colorida tipo macacão e enormes sapatos pretos que quando andava fazia um barulho de bater de palmas.
A Dóra como sua partiner “ além da ajuda no camarim” o auxiliava com acessórios para brincadeira e mágicas malucas que ele inventava, organizando as crianças para as suas brincadeiras e se divertia junto com todos.
Era impressionante a agilidade com a qual ele se movimentava, pulava, corria com as crianças e as pegava no colo como se isso não fosse nenhum esforço, parecia que por traz daquela fantasia havia um garoto de seus quinze anos de idade, ele transluzia energia.
As crianças estavam fascinadas e os adultos admirados com tanta disposição e vitalidade e eu impressionado com tudo que ele falava e fazia.
Depois de muitas brincadeiras e risos, sutilmente ele me deu uma piscadela indicando que ele precisava partir para dar lugar ao bom velhinho que estava quase na hora de chegar.
Começamos a preparar as crianças para a saída do Peteleco e a chegada do Papai Noel dizendo que ele precisa ir embora para chamar o bom velhinho e assim fomos distraindo eles até que ele conseguiu escapar e entrar no seu camarim para fazer a troca.
Lá a Dora já tinha tudo arranjado, roupa, maquiagem, saco com os presentes e o resto do material para montagem do personagem.
Quando fomos avisados que ele estava quase pronto para entrar em cena começamos a preparar as crianças dizendo:
- Bem crianças, vocês sabem que o Papai Noel esta bem velhinho, portanto ele não ouve direito, então para que ele nos ouça a gente vai precisar gritar muito para ele chegar, combinado?
Foi uma grande gritaria de alguns minutos chamando “PAPAI NOEL, PAPAI NOEL...” que mesmo que ele fosse surdo com certeza ele ouviria. Mas enfim ele surgiu alegre e radiante. (como a chaminé estava em falta ele saiu da porta do quarto), tilintando o seu sino e distribuindo a sonora e tradicional risada, Hou, Hou, Hou Feliz Natal..
Para acalmar as crianças que continuavam gritando em pavorosa ele falou na voz de papai Noel:
- Olá crianças Feliz Natal, Feliz Natal e como elas não paravam de gritar ele emendou:
- Dentro deste saco, apontado para um grande saco vermelho que trazia nas costas tem presentes pra todos, mas só vai ganhar brinquedos quem for obediente e educado, ta bom?
Isso foi o bastante para acalmar a agitação das crianças (e alguns adultos) e pode então sentar-se no lugar combinado para conversar com as crianças e distribuir os presentes.
Os presentes dos adultos estavam em baixo da arvore “como de costume” também foram distribuídos pelas mãos dele com a ajuda de sua dedicada Partiner a nossa querida Dóra.
Foi um natal inesquecível para mim e para minha família, sempre lembramos com saudade desse dia memorável.
A nossa amizade não se resumiu apenas a esse evento, tivemos outros momentos felizes de festas e visitas nossas a eles e deles em nossa casa.
Mas o nosso segundo encontro marcou definitivamente a nossa amizade e reforçou as nossa afinidades e determinou nossa união.
Dois meses depois “em fevereiro” fomos convidados para o aniversário do Barreiros que seria realizado em sua casa junto com os seus familiares que até então não conhecíamos.
Chegando lá fomos carinhosante apresentados para seus amigos e parentes como os mais novos netos adotados por eles.
Estávamos eu, minha esposa e três filhos que logo se entrosaram com as demais crianças e desapareceram entre os convidados.
Notamos que ele era muito querido por todos, conhecemos algumas pessoas conversamos principalmente sobre a espantosa disposição do Barreiros e sobre o carinho e dedicação da Dóra.
Foram momentos muito agradáveis parecia que conhecíamos aquelas pessoas há muito tempo, estávamos completamente inserido no contexto da vida deles.
Bem, chegou a hora do parabéns, e também chegou a hora da grande surpresa da noite.
A mesa estava repleta de doces salgados e refrigerantes e “curiosamente” dois bolos?
Todos muito animados cantaram parabéns tradicional o Barreiros apagou um monte de velinhas e depois pediu a atenção de todos e disse:
- Meus amigos, obrigado pela presença e pelos parabéns, mas vocês devem ter notado que há dois bolos na mesa e eu vou explicar.
- É que eu não faço aniversario sozinho hoje por isso gostaria que vocês cantassem parabéns para minha amiga Sô, que também faz aniversário hoje e esta aqui conosco. Falou isso apontando para minha esposa que nesse momento não sabia o que fazer tamanha foi a surpresa.
Ela foi convidada a ficar ao lado dele e todos cantaram “um animado parabéns” para ela que quase desmontou de tanta emoção.
Mais uma vez aquele exemplo de casal nos proporcionou uma festa inesquecível e para sempre passaram existir em nossas vidas e habitar nossos corações.
Aconteceu Comigo.
Durval Tobias Filho