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Palestrante, Training, Consultor Comercial e Sócio do Cemitério Vertical Metropolitano em São Vicente - SP.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O APRENDIZ

Imaginem esta cena:
Um sujeito amolando uma faca “com muita destreza” num velho esmerilho, com olhos fixo e esbugalhados, em sua direção, e a única coisa entre você e ele é um velho portão enferrujado e uns três metros de distância e “para completar” um cachorro, latindo e espumando feito um louco, amarrado em uma velha corda, nada confiável, tentando desesperadamente te recepcionar... Imaginou?
Essa foi a cena que vivi em uma visita onde estava acompanhado de um aprendiz de vendedor  que para o qual teria que passar o exemplo de equilíbrio, segurança, tranqüilidade e domínio da situação.
Foi assim que tudo começou...
Estávamos  realizando uma visita,  agendada pelo departamento de telemarketing, a um rapaz bem jovem, “coisa rara nesse tipo de venda”.
Ele havia combinado essa visita, com a operadora, para hora de seu almoço, pois trabalhava e costuma almoçar em casa.
A orientação da visita era para sermos pontuais e breves na apresentação, já que, iria nos atender na hora de seu almoço.
O meu pupilo, um jovem rapaz simpático, andava sempre bem trajado, tinha pouca experiência na área de vendas, mas era muito esforçado, e nesse, dia faria a sua primeira abordagem direta após o treinamento teórico interno.
Ele estava um pouco ansioso e no caminho eu o orientava como faríamos a abordagem e o tranqüilizava dizendo que eu daria o ponta pé inicial e ele daria a continuidade na apresentação.
Pois bem, chegamos no horário combinado.
Era uma casa humilde, ficava no fundo de um terreno em declive e entre a casa e o portão de entrada havia um barracão aberto, tipo uma oficina, onde nos deparamos com aquela pessoa estranha “que mencionei lá no inicio” e cachorro estressado.
Não tinha companhia e como já havíamos avistado uma pessoa, não batemos palmas e perguntamos sobre o Junior (o nome anotado na ficha ). Ele nos olhava fixamente e nada respondia, falei varias vezes achando que ele não estava ouvindo devido aos latidos do cachorro (ou querendo achar), mas  sem êxito ele não respondia.
 No fim o quem acabou alertando sobre a nossa presença foi o escandaloso cachorro, que fez com que a pessoa que procurávamos viesse atender.
Junior, um rapaz magro, estatura mediana, cabelos escorridos até o ombro (tipo chapinha), tinha modos delicados, muito educados e trajava um uniforme com crachá de supervisor de atendimento do hipermercado que trabalhava.
Abriu o portão e nos convidou para entrar, já fazendo a recomendação que seu tempo era curto,  e que deveríamos ser breves.
Descendo enquanto falava, desculpou-se dizendo que iria nos atender enquanto almoçava, pois precisava retornar ao trabalho.
Após alguns passos olhou para traz, notando que continuávamos no portão, parou e perguntou:
- Vocês não vêm?
- Bem... Junior é o seguinte... eu acredito que o seu cachorro não simpatizou muito com agente, será que ele não vai escapar dessa “faca” OPA... digo dessa corda?
Ele deu um sorriso de quem entendeu a mensagem, e disse:
- Meninos não se preocupem, o cachorro está bem amarrado e aquele senhor ali, falou apontando delicadamente, é o meu pai, mas ele é vai ficar bonzinho né Papi?
Ele retornou ao portão e em tom de confidencias, (colocando a mão ao lado da boca) disse que seu pai esteve internado até a pouco tempo e que sofria de  depressão  profunda, que agora estava bem melhor, mas que não falava com ninguém só ficava olhando sem dizer uma única palavra.
- Você não tem medo que ele se machuque com aquela faca? Perguntei.
- É claro que não, antes dele adoecer era o faz tudo da vila, encanador eletricista e trabalhava ali no barracão, falou apontado para o mesmo.
- Agora o  único modo de deixá-lo calmo é dar alguma coisa para ele fazer.
“Mas precisava ser uma faca para amolar?” Pensei comigo.
Vencidos pelos “fortes” argumentos do Junior iniciamos a nossa descida.
Pé a pé, um olho no cachorro, outro no pai do Junior, que nos seguia com o seu olhar enigmático e constrangedor.
Entramos na casa pela porta da cozinha e encontramos sua mãe encostada num armário de fórmica, trajando um avental manchado de gordura que também serviu de tolha para ela enxugar as mãos antes de nos cumprimentar.
Era uma simpática senhora gordinha, que junto com filho, insistiram muito para que almoçássemos, e nós educadamente recusamos.
Enquanto ele almoçava ela se manteve em pé encostada no armário ouvindo o que falávamos e vez ou outra fazia alguma pergunta ou simplesmente acenava afirmativamente para os nossos argumentos.
Junior era filho único, os pais aposentados e com problemas de saúde, avós idosos  e ele era o responsável por todos.
Estávamos falando com a pessoa certa, apesar da pouca idade ele era muito ajuizado e demonstrava uma grande preocupação com sua família.
O Aprendiz deu continuidade à apresentação do Jazigo e com perguntas objetivas identificou a preocupação do rapaz com os cemitérios municipais da região e focou a sua argumentação nesse tipo de preocupação.
Deu certo, mas a venda não foi concluída, devido à ausência dos avós do Junior que havia prometido colaborar com ele na compra da prevenção.
Seus avós, embora muito velhinhos, moravam em uma casa próxima,  mas devido ao pouco tempo, que tínhamos não foi possível falar com eles e combinamos um retorno para o próximo fim de semana.
Essa foi uma venda que costumo chamar de “venda de retorno”, que é quando o cliente protela o fechamento por algum motivo.
Bom... agora restava-nos sair inteiros daquela situação.
Para nossa grata surpresa o pai do Junior já havia saído do barracão e agora estava assistindo televisão, como podemos observar pela janela da sala, mas o cachorro voltou a ativa e voltou e com muita fome e vontade de escapar... até que conseguiu.
Quando percebemos o aprendiz de vendedor já estava correndo a nossa frente e o cachorro, arrastando a velha corda, estava em seu encalço, mas o garoto foi muito rápido passou pelo portão, feito uma bala, fechando o portão praticamente no focinho do cachorro.
Quanto a mim estava parado no mesmo lugar, pois aprendi “em uma experiência anterior” que; correr é a o pior negócio nessa hora.
Fera dominada, desculpas aceitas “pelo menos da minha parte” combinamos o retorno.
Retornamos no fim de semana seguinte, fomos atendidos pelo Junior e pelo simpático casal de idosos, que já estavam a par de tudo e já havia feito a opção do tipo de jazigo e a forma de pagamento.
Tomamos um saboroso café e mais uma vez fechamos um excelente negócio.
O Aprendiz se tornou um ótimo vendedor e sempre que possível perguntava para a operadora:
 – Você sabe se tem cachorro ?
Durval Tobias Filho

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